A construção da História de Moçambique foi sempre um grande problema, mesmo para os fazedores da História que conhecem bem o nosso país. Há várias limitações na reconstrução da História de Moçambique que se referem sobretudo à disponibilidade, credibilidade, acesso e distribuição das fontes.
Neste sentido, torna-se muito importante que os cidadãos moçambicanos tenham o cuidado e a preocupação de preservar as fontes que existem. É só com o conhecimento das fontes que se consegue reconstruir a História de Moçambique!
Disponibilidade
As fontes históricas não existem segundo a vontade do historiador. É necessário entender que elas às vezes são escassas para determinados períodos e assuntos que são trazidos para o estudo, muitas vezes abundantes para outros e há casos em que elas não existem para a construção de muitos aspectos da vida do passado que o historiador procura conhecer.
Todas as fontes têm as suas limitações. Através delas só é possível obter uma parte da realidade. O historiador tem, por isso, de desenvolver um novo trabalho de pesquisa com vista a busca de novas revelações no longo caminho da procura da verdade histórica.
As fontes históricas, sejam elas escritas, orais ou de outro tipo qualquer, mostram-nos apenas uma parte da realidade. No entanto, as fontes orais permitem-nos muitas vezes colocar novas perguntas à própria História pela boca do protagonista e problematizá-la.
Teresa Cruz e Silva e Alexandrino José, História e a Problemática das Fontes.
MOÇAMBIQUE, 16 ANOS DE HISTORIOGRAFIA, VOL. 1, P. 18
No entanto, mesmo na História oral há limitações. Por vezes, já passaram tantos anos, décadas ou séculos sobre um acontecimento que muitas fontes já foram eliminadas da memória colectiva, foram esquecidas.
Credibilidade
Qualquer investigação da História do nosso país tem de passar por um trabalho de análise rigorosa das fontes, pois a maior parte delas levanta sérios problemas de credibilidade.
Os criadores das fontes podem manipular a historiografia da época. As fontes escritas, como as leis e outros documentos semeIhantes, são produzidas por quem está no poder naquele momento. Assim, os historiadores têm de estar atentos a esse condicionalismo e analisar com forte espírito crítico aqueles documentos.
Com a independência de Moçambique surgiu uma geração de estudiosos nacionais da História deste país que procurou romper com a historiografia herdada do colonialismo, tentando fazer uma reproblematização (…).
As mudanças políticas que se operam presentemente neste país irão certamente criar outras aberturas para determinadas interpretações do devir histórico fundamental da epopeia moçambicana. Não nos podemos no entanto esquecer que, em qualquer época ou período histórico, a classe que está no poder determina um certo tipo de produção histórica, manipulação para a qual os investigadores sociais devem estar sempre atento
Teresa Cruz e Silva e Alexandrino José, História e a Problemática das Fontes.
Moçambique, 16 anos de Historiografia, vol. 1, pp. 17-18
as fontes materiais, como monumentos, por exemplo, também são construídas de acordo com o regime em vigor.
as fontes orais também podem vincular no seu discurso de geração em falsidade ou adulteração históricas.
na análise de todo o tipo de fontes, o historiador tem de ser critico e analítico.
Acesso
Onde estão guardadas as fontes sobre a História de Moçambique?
Para o estudo das fontes é necessário saber onde encontrá-las. Para o estudo de fontes escritas, podem pesquisar-se arquivos históricos públicos, bibliotecas públicas e, também, arquivos pessoais ou familiares.
Nos últimos tempos, têm sido desenvolvidos esforços para tornar públicas algumas coleções de documentos e livros, através de sites.
Para o estudo das fontes materiais devem-se visitar campos de arqueologia, museus, monumentos, etc.
para o estudo das fontes orais devem-se consultar os relatos escritos existentes, mas, sobretudo, devem-se interrogar os próprios moçambicanos sobre os temas passado.
Distribuição
Para se escrever a História de Moçambique temos uma igual distribuição das fontes?
Há semelhante número de fontes quer para o Sul quer para o Norte de Moçambique?
Temos fontes para todos os períodos da História de Moçambique? E sobre todas as temáticas? Há fontes para todas as temáticas da História do nosso país?
Não se conhecem respostas satisfatórias para estas questões. No entanto, é certo que para a História de Moçambique há o predominio dos relatos de etnografia e da Natureza.
A maioria dos estudiosos da História de Moçambique é unânime e peremptórias em reconhecer que a historiografia colonial deixou uma base fragilissima em termos de estrutura de fonte. A documentação legada é rica em descrições de natureza etnográfica, memória de viajantes e legislação colonial, apresentando tendências para o registo fraco das lutas populares contra o sistema colonial, da introdução desse sistema e do seu impacto na formação social moçambicana, tornando muito difícil uma constituição da História do país (…).
Teresa Cruz e Silva e Alexandrino José, História e a Problemática das Fontes,
Moçambique, 16 anos de Historiografia, vol. 1, p. 1
Item, os homens desta terra (ilha a que chamão Momcombiquy] sam ruyvos e de boons corpos e da seita de Mafamede e falam como mouros e as suas vestiduras sam de panos de linho e d’algodam muito delgados e de muitas cores de listras e sam ricos e lavrados e todos trazem toucas nas suas cabeças com vivos de seda lavrados com fio d’ouro e sam mercadores e tratam com mouros brancos dos quaes estavam aquy em este logar quatro navios delles que traziam ouro prata e pano e cravo e pimenta e gingivre e anes de prata de muitas perllas (…).
Álvaro Velho, Diário da viagem de Vasco da Gama, vol. 1, ponto 13 (adaptado)
Exemplo de fonte escrita com relatos etnográficos deixada pelos cronistas de Portugal
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As limitações das fontes da História de Moçambique que se apontaram tornam a tarefa do investigador demasiado difícil. Assim, é sempre importante:
- preservar os vestígios que existem;
- recolher ao máximo todos os vestígios sobre a temática em causa;
- seleccionar de forma criteriosa os vestígios quando estes são numerosos;
- levantar hipóteses que permitam questionar os “silêncios” das fontes.
Os historiadores deram-se conta que a restituição integral do passado era impossível: qualquer que seja a densidade dos traços, é inútil esperar poder ressuscitar tudo (…). Isso não é possível. É nisso muito simplesmente que o realismo da História encontra o seu limite.
Georges Duby